Uma capa de chuva amarela.

Quando me disseram que tudo tem um fim, não determinei um tempo exato, e tão menos esperei que realmente acabaria.
Acreditei cegamente nas mudanças de uma sociedade injusta, incompreensível. No respeito permanente sem nenhuma restrição.
As escolhas de um homem o tornam unicamente incomum e mudam por completo sua vida.
Nada acontece sem que haja um motivo essencial, e quando deparei-me com a verdade deixei de atuar rumo a infelicidade do medo de mostrar o que sou.
Pude então entender de maneira segura, e aceitar que realmente homossexualidade não existe, nunca existiu. Existe sexualidade, voltada para um objeto qualquer de desejo, que pode ou não ter genitália igual, e isso é só detalhe, mas não determina maior ou menor grau de moral ou integridade.
Frases, textos e contos de Caio Fernando Abreu sempre muito me interessaram, era incrível a forma que me comoviam.
Tudo ocorreu de um jeito insuspeitado, que cheguei a me perguntar se não havia premeditado nada a respeito.
De repente começava a chover, trovões e relâmpagos destacavam o céu escuro e nublado. Corri até a porta de uma loja para me proteger do frio e da chuva, que inesperadamente começava a aumentar.
Ele sorria segurando um maço de cigarro, e apertando contra o peito uma capa molhada amarela. Não consigo esquecer-me daquele sorriso, daquela capa, daquele maço de cigarro molhado.
Conversamos sobre o tempo, cinema, literatura e poemas. Ele era escritor, e dizia que um bom texto criava-se na base de sentimentos e emoções, que o realismo e a razão já não faziam tanto efeito.
Nos encontramos mais tarde para um café. Os assuntos pareciam intermináveis, e correspondiam-se no que tínhamos em comum.
Ele não envergonhou-se de me olhar nos olhos e dizer que achara bonito e delicado os traços que formavam meu rosto.
Senti que havia ficado vermelho involuntariamente, pois minha pele queimava e minhas pernas tremiam. Sem controle algum sobre a espontaneidade dos movimentos, segurei de leve a sua mão, e mantemo-nos calados por meros segundos.
Se eu pudesse encontrar uma forma de dizer o quanto o amei desde o primeiro instante, minha dor tornaria-se menos amarga e meus ombros já não pesariam tanto.
Indefinida a angustia causada pela sua ausência, e esta casa encontra-se vazia.
Somente alguns livros encaixotados, um porta-retrato e a capa amarela, ainda são parte das lembranças que mantenho vivas dentro de mim.
Se não o quisesse tanto, como seria difícil suportar toda aquela incompreensão por parte do mundo e das pessoas que o cercam.
Não existe meio de verificar qual é a boa decisão, pois não existe termo algum de comparação, na medida que tudo é vivenciado pela primeira vez sem ensaio nem preparação.
Escolhi ficar ao seu lado pois minha felicidade dependia dele, e tornei indiferente a insignificância do mundo.
Sempre enxerguei a incapacidade de amar pelo desejo de somente ser amado, de exigir amor. Sem valorizar a simples presença do outro.
Sempre pensei no preconceito das pessoas, e pude constar que a verdadeira ignorância é julgar ao se deparar com o diferente, sem entender que para ser amor, não é preciso ser comum.
A não aceitação foi o que prevaleceu, por seres que também se afirmam humanos e que condenam como se fossem Deus.
Quando a força de um homem é usada contra outro, pode causar danos irreparáveis e deixar marcas permanentes e incuráveis.
Encontraram-no caído perto de um beco escuro, seu rosto irreconhecível e partes do seu corpo continham cortes tão profundos. Ainda sangrava quando começou a chover.
Não espero explicações nem justificativas, o modo como me sinto ultrapassa qualquer definição premeditada.
A única vontade que prevalece ao longo dos meus dias, é de acordar com um de seus poemas ao lado da cabeceira. Dizendo que toda manhã é linda, mas que todo fim de tarde o faria voltar.
Ainda olho pela janela esperando as manhãs passarem, mas as tardes não o trazem de volta, e as noites só fazem meu desespero aumentar.


1 comentários:

Carol Viégas disse...

Primeiro quero dizer que suas ideias são mto bacanas e seu blog lindo!!!!
Em segundo dizer o que provoca estranheza por sermos diferentes é somente por estarmos fora do padrão que a sociedade impôs como modelo. Se vc não se encaixa, vc é diferente, excluído, esquisito... o.O

E se esqueceram de que todos temos uma particularidade e que se enquadrar no padrão é chato!!!!